sábado, 17 de outubro de 2009

Breves considerações acerca da adoção do princípio da verossimilhança no Código de Processo Civil Brasileiro na Década de 90 do Século XX


A Reforma do Código de Processo Civil na Década de 90 do Século XX representa um momento de especial relevo para a história do direito processual civil brasileiro, não só em razão do seu compromisso em remover os chamados obstáculos ao pleno acesso à justiça e que, segundo o professor Dinamarco, estariam localizados em quatro fundamentais pontos sensíveis do sistema: pela admissão em juízo, pelo modo-de-ser do processo, pela justiça das decisões e pela sua efetividade, ou utilidade,[i] como também porque com a inclusão da tutela antecipada no seu bojo deveremos, a partir de agora, trabalhar com o princípio da verossimilhança.

É precisamente na adoção do princípio da verossimilhança pelo legislador processual de 1994 que encontraremos talvez o ponto nerval de toda reforma do Código de Processo Civil. Ao inserir o princípio da verossimilhança na Reforma do Código de Processo Civil, o legislador processual de 1994 criou uma ruptura com o conceito de real operado até então pelos operadores jurídicos. Sabe-se que o modelo de verdade adotado pelo direito processual brasileiro – conforme a matriz européia – é avesso aos julgamentos firmados na verossimilhança alegada pelas partes litigantes. E trazer o princípio da verossimilhança ao status de conteúdo da reforma processual de 1994 é admitir que o modelo tradicional de verdade adotado pelo direito processual brasileiro não satisfaz aos anseios dos consumidores dos serviços judiciários. Daí o aparecimento da tutela antecipada do artigo 273 e da ação monitória no direito processual brasileiro como forma de responder à crise da verdade produzida pelo modelo processual-tradicional. Uma – a tutela antecipada do artigo 273 – verificável na afirmação constituída de carga verossímil, não necessariamente embasada num documento palpável. E a outra com fundamento na probabilidade da verdade afirmada em certo documento ou por certas testemunhas. Aliás, no procedimento monitório temos também a aceitação da carga altamente verossímil da alegação apresentada em juízo, com apoio em documento ou prova testemunhal, onde o grau de verossimilhança aumentará conforme se der a apresentação de embargos ou não pelo réu.

Dessa forma, não haverá como operacionalizar o princípio da verossimilhança na tutela antecipada do artigo 273 do Código de Processo Civil, - pelo menos de acordo com este novo critério de realidade indicado pelo legislador processual de 1994 – senão através da tomada de consciência pelos operadores jurídicos de que a verdade produzida pela instrução processual sempre estará sujeita à precariedade dos sentidos humanos e das deficiências da própria técnica processual.

É claro que o modelo tradicional de verdade apresentado pelo direito processual civil como uma “verdade” destituída de dúvidas e verificável “logicamente”,[ii] ainda faz parte do imaginário dos operadores jurídicos, com especial caracterização na figura dos magistrados. A própria feitura do processo de conhecimento ( ordinário ) traz consigo a idéia de manifestação de verdade, onde haveria um suposta neutralidade do magistrado como também um suposto tratamento igualitário das partes. A adoção do princípio da verossimilhança no direito processual civil brasileiro indica a necessidade de o operador jurídico raciocinar de uma forma diversa daqueles tempos de negação dos juízos de verossimilhança, i.e., deverá estar consciente de que a verdade alcançada no processo tem uma natureza relativa e que, também, o processo de conhecimento ( ordinário ) não é o único capaz de descobri-la.

Assim, cremos que a inserção do princípio da verossimilhança no sistema processual – expressamente admitido pelo artigo 273 do Código de Processo Civil – revela um novo atuar do operador jurídico frente à envergadura daquele princípio modificador do critério de apreensão do real. Daqui em diante, os operadores jurídicos terão oportunidade de conceder tutela antecipada conforme a verossimilhança alegada pelas partes, no entanto, dita oportunidade só restará efetivamente exercida caso haja a suficiente coragem daqueles que irão praticá-la. É mister que se diga que o exercício da tutela antecipada mediante juízo de verossimilhança traz algum risco às convicções psicológicas dos operadores jurídicos, mormente no caso dos magistrados. O exercício do poder jurisdicional não se faz sem os riscos inerentes a tal condição, mesmo porque julgar é escolher um certo caminho de justiça, ainda que possa representar um erro aos olhos dos demais julgadores. Como bem disse o professor Dinamarco: “Nesse quadro em que a convicção não pode corresponder à certeza, é inevitável correr riscos, sob pena de inviabilizar os juízos.”[iii]

Cunha e Silva Neto.



[i] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do código de processo civil. 2ªed., São Paulo, Ed. Malheiros, p. 30.

[ii] A expressão “logicamente” há de ser encarada de duas formas: como reflexo de um pensamento matematicamente aferível e que, dessa forma, não se explica no direito ou como fazendo parte de uma dimensão argumentativa e que se mostra mais acessível ao cenário jurídico.

[iii] DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 3ªed., São Paulo, 1994, p. 239.